Dom José Ronaldo Ribeiro bebia Uísque e cerveja com dinheiro da igreja
Além do gosto peculiar por relógios de grife e joias, dom José Ronaldo Ribeiro, bispo de Formosa, aparentava ter apreço por bebidas, e não era vinho. Investigação conduzida pela Polícia Civil de Goiás apura denúncia de que o líder religioso, preso na Operação Caifás, teria usado uma espécie de cartão corporativo da igreja para comprar cerveja e uísque.
O caso chegou ao conhecimento das autoridades policiais por meio de um dos “filhos” do bispo. Raimundo Cruz Souza integrava um grupo de homens que moravam na casa episcopal de dom José Ronaldo, a residência oficial da Diocese de Formosa. A maioria deles acompanhava o clérigo há mais de uma década, desde quando ele era titular da Diocese de Janaúba, em Minas Gerais. Na pequena cidade mineira, os “filhos” passaram a ser malvistos após se envolverem em brigas, furtos, assaltos e tráfico de drogas.
Em 21 de fevereiro de 2017, um dos apadrinhados de dom Ronaldo registrou ocorrência na 2ª Delegacia Distrital de Polícia de Formosa. Tido como braço direito do religioso, o homem ganhou emprego no setor administrativo da Catedral Nossa Senhora da Imaculada Conceição. Além de auxiliar nos trabalhos burocráticos, cabia ao “filho” fazer as compras da entidade.
“Gastaram R$ 4 mil em janeiro (de 2017) com compras que não foram feitas para a igreja”, disse Raimundo em depoimento. O caso foi tipificado como estelionato, crime previsto no artigo 171 do Código Penal Brasileiro (CBP). Nove dias depois, o “filho” do bispo voltou à unidade policial e pediu para retirar a queixa. Ao justificar a decisão, alegou que, “por trabalhar na instituição”, prefere “evitar qualquer tipo de escândalo”.
Apesar de Raimundo ter voltado atrás, o inquérito avançou. Fontes ligadas à igreja contaram que dom José Ronaldo ficou furioso com a denúncia feita por um de seus protegidos. Ele teria coagido o rapaz a desmentir seu próprio depoimento à polícia, mas como a investigação permaneceu em curso, o líder da Diocese de Formosa demitiu o jovem do emprego e o expulsou da cidade.
Coação
No registro policial nº 2274386, ao qual o Metrópoles teve acesso, Raimundo narra que alguém falsificou sua assinatura e usou mais de R$ 4 mil para adquirir produtos em um mercado do município goiano, situado a cerca de 100km de Brasília. Entre os itens, havia uísque e cerveja. Segundo o jovem, apenas ele, o bispo dom José Ronaldo, e o secretário da cúria, Guilherme Frederico Magalhães – também alvo da Caifás –, tinham a senha do cartão e o número de um código para validar as transações nos estabelecimentos.
Os investigadores querem saber quem falsificou a assinatura de Raimundo. Segundo contou um policial, pairam suspeitas sobre dom José Ronaldo. “O bispo controlava a senha e o código. É possível que ele tenha usado as informações para comprar itens estranhos à igreja. Caso alguém descobrisse o esquema, ele ficaria isento, pois não teria nada de anormal registrado em nome dele”, disse a fonte, sob condição de anonimato.
Advogado de dom José Ronaldo, Lucas Rivas disse não ter conhecimento dessa denúncia específica, mas esclareceu que, caso ela seja juntada ao processo da Caifás, a defesa do bispo nesse episódio também será de sua responsabilidade.
Ausentes na igreja, baderneiros na rua
Um dos maiores mistérios da vida de dom José Ronaldo Ribeiro é a relação com os homens que moravam com ele na casa episcopal, situada em frente à Catedral de Formosa. A residência tem quintal amplo, portões baixos e fica no centro da cidade. Mesmo com o argumento de que os moços – entre três e cinco, contam moradores – foram acolhidos porque eram carentes e necessitavam de auxílio espiritual, o bispo mantinha os jovens distantes dos fiéis.
Segundo alguns dos frequentadores das 33 paróquias ligadas à Diocese de Formosa, os “filhos” do líder religioso não participavam das missas. Até mesmo Raimundo Cruz Souza, que tinha emprego na cúria, praticamente não aparecia nas celebrações. Apesar de a casa episcopal ficar numa avenida movimentada, os rapazes evitavam falar com os vizinhos. “Só via entrando e saindo da casa, mas nunca os vi conversando com ninguém por aqui”, disse um comerciante.
O relato do microempresário é praticamente idêntico ao de outras cinco pessoas que moram ou trabalham nos arredores da casa. Todos sabiam da existência dos “filhos” do bispo, mas ninguém nutria qualquer tipo de contato. Quando dom José Ronaldo foi transferido de Janaúba para Formosa com os “filhos”, em 2014, as despesas da residência episcopal saltarem de R$ 5 mil para R$ 35 mil, segundo um grupo de fiéis mais próximo da igreja. A Diocese de Formosa não esclareceu se a informação procede ou não.
Líder do grupo criminoso
Dom José Ronaldo está no centro das denúncias do MPGO. De acordo com os investigadores, ele seria o mentor do esquema criminoso iniciado no Entorno em 2015. A defesa diz que os acusados negam as irregularidades e os recursos são “fruto de muito trabalho dos padres”.
Com base nas apurações dos promotores de Formosa, “são inúmeros os diálogos transcritos, a partir das interceptações telefônicas, que apontam a possibilidade de José Ronaldo, o monsenhor Epitácio Cardoso, e os padres Moacyr Santana e Mário Vieira de Brito terem desviado quantias vultosas supostamente usadas para comprar fazenda e casa lotérica em Posse (GO), além de despesas de cunho pessoal do bispo arcadas pela instituição.”
Entre as provas materiais apontadas pelo judiciário para embasar o acolhimento da denúncia do MP, estão R$ 75 mil achados na residência paroquial de Epitácio, pelo menos 12 recibos que podem demonstrar a forma de atuação do grupo e declarações diversas apreendidas nos autos. “Ainda constam o Comunicado à Sociedade e ao Povo de Deus da Diocese de Formosa e o Relatório Contábil, que aparentemente apresentam informações falsas sobre a contabilidade da Mitra Diocesana de Formosa”, destacou Fernando Oliveira Samuel, magistrado da 2ª Vara Criminal do município goiano.
Os suspeitos foram presos durante a Operação Caifás, deflagrada em 19 de março, com o apoio da Polícia Civil de Goiás. Eles são acusados de desviar ao menos R$ 2 milhões de recursos da Igreja Católica.
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